(Íntegra do discurso da presidente da República Dilma Rousseff no
Senado Federal)
“Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo
Lewandowski,
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,
No dia 1º. de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência
da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais 54 milhões de votos.
Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a
Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do povo
brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
Ao exercer a Presidência da República respeitei fielmente o compromisso
que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me orgulho disso. Sempre
acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre vi na Constituição de
1988 uma das grandes conquistas do nosso povo.
Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos
interesses daqueles que me elegeram.
Nesta jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo,
tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi
também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e
políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade.
Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.
Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.
Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os
compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado.
Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei
por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e companheiras sendo
violentados, e até assassinados.
Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha medo
da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas não cedi.
Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir, na escuridão
dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de lado. Apesar de receber o
peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia.
Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem
ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de
discriminações.
Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça.
Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça.
Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.
Aos quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó,
que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.
Exercendo a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o
meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho sido intransigente
na defesa da honestidade na gestão da coisa pública.
Por isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste
processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e
amargo da injustiça e do arbítrio.
E por isso, como no passado, resisto.
Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com
as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a
democracia e contra o Estado do Direito.
Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que
respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que
praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram.
E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências ainda
adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado certo
da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos engolir.
Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é
próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela
democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu País, pelo seu
bem-estar.
Muitos hoje me perguntam de onde vem a minha energia para prosseguir.
Vem do que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que fizemos. Olhar para
a frente e ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer. O mais importante é
que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo
tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos.
Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E é por ter a
minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que fiz, no exercício
da Presidência da República que venho pessoalmente à presença dos que me
julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas Excelências, e
dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que não cometi nenhum crime
de responsabilidade. Não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e
arbitrariamente.
Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho
deste processo de impeachment.
No passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de
setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam
razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram tramadas
resultando em golpes de estado.
O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do
patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama
orquestrada pela chamada “República do Galeão, que o levou ao suicídio.
O Presidente Juscelino Kubitscheck, que construiu essa cidade, foi
vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no
episódio de Aragarças.
O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos
trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas
foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964. Durante 20 anos,
vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso
País. Milhões de brasileiros lutaram e reconquistaram o direito a eleições
diretas.
Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os
interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco
de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a
violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência
moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de
legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a
Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos
fatos.
As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra
mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica.
Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram outro aspecto da trama que
caracteriza este processo de impeachment. O autor da representação junto ao
Tribunal de Contas da União que motivou as acusações discutidas nesse processo,
foi reconhecido como suspeito pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico,
que ele havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica
claro o vício da parcialidade, a trama, na construção das teses por eles
defendidas.
São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por meio de um processo
de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em
eleição direta com a participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras.
O governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais
consecutivas.
São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que, se
consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador.
A eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem
mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas urnas, escolheu uma
mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os negros na sua
composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido
pelo povo em 2014.
Fui eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um
programa cuja síntese está gravada nas palavras “nenhum direito a menos”.
O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu
mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo
brasileiro e à Constituição.
O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da
população, das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às crianças;
os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do
salário mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa
própria.
O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a convivência
com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado projeto de
integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande descoberta
do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de nosso País no
cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns.
O que está em jogo é a auto-estima dos brasileiros e brasileiras, que
resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade do País de
realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e Paraolimpíadas.
O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio
fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população.
O que está em jogo é o futuro do País, a oportunidade e a esperança de
avançar sempre mais.
Senhoras e senhores senadores,
No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a eventual
perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente. Há que se configurar
crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de
Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o Presidente pelo
“conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas eleições o
programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado pelo
Governo interino e defendido pelos meus acusadores.
O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um
verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos.
Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do salário mínimo será a
destruição do maior instrumento de distribuição de renda do país, que é a
Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais mortalidade infantil e
a decadência dos pequenos municípios.
A revisão dos direitos e garantias sociais previstos na CLT e a
proibição do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças que pairam
sobre a população brasileira caso prospere o impeachment sem crime de
responsabilidade.
Conquistas importantes para as mulheres, os negros e as populações LGBT
estarão comprometidas pela submissão a princípios ultraconservadores.
O nosso patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as
riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas.
A ameaça mais assustadora desse processo de impeachment sem crime de
responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos todas as despesas com
saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por 20 anos, mais
crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as pessoas possam
ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as famílias possam sonhar com
casa própria.
Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e Srs. Senadores,
A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em
setores da elite conservadora brasileira.
Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que apoiavam
o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a minha posse e
a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições haviam sido fraudadas,
pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas eleitorais, e após a
minha posse, buscaram de forma desmedida quaisquer fatos que pudessem
justificar retoricamente um processo de impeachment.
Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam na
vontade do povo o elemento legitimador de um governo. Queriam o poder a
qualquer preço.
Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo.
Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo.
Só é possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil desde
2015, levando-se em consideração a instabilidade política aguda que, desde a
minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem o investimento e a
produção de bens e serviços.
Não se procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o País. O
que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do “quanto pior melhor”, na
busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando os resultados
danosos desta questionável ação política para toda a população.
A possibilidade de impeachment tornou-se assunto central da pauta
política e jornalística apenas dois meses após minha reeleição, apesar da
evidente improcedência dos motivos para justificar esse movimento radical.
Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco político permanente
provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição acabou sendo um
elemento central para a retração do investimento e para o aprofundamento da
crise econômica.
Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal, desde
2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época
presidida pelo
Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas.
As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras. Senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a saída da crise.
Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas.
As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras. Senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a saída da crise.
Foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade política, propício
a abertura do processo de impeachment sem crime de responsabilidade.
Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação
política, econômica e fiscal.
Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida
defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e
para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que
assim que o meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder
haveria de ficar sepultada por mais um longo período.
Mas, a bem da verdade, as forças oposicionistas somente conseguiram
levar adiante o seu intento quando outra poderosa força política a elas se
agregou: a força política dos que queriam evitar a continuidade da “sangria” de
setores da classe política brasileira, motivada pelas investigações sobre a
corrupção e o desvio de dinheiro público.
É notório que durante o meu governo e o do Presidente Lula foram dadas
todas as condições para que estas investigações fossem realizadas. Propusemos
importantes leis que dotaram os órgãos competentes de condições para investigar
e punir os culpados.
Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como Procurador
Geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da
instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da Polícia
Federal.
Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei
e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive.
Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de
quaisquer fatos que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição.
Encontraram, na pessoa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha o vértice da sua aliança golpista.
Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo.
Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia, para
construir o clima político necessário para a desconstituição do resultado
eleitoral de 2014.
Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por uma
“chantagem explícita” do ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a
reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia
aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido não
votassem pela abertura do seu processo de cassação.
Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes,
não o faria na condição de Presidenta da República. É fato, porém, que não ter
me curvado a esta chantagem motivou o recebimento da denúncia por crime de
responsabilidade e a abertura deste d processo, sob o aplauso dos derrotados em
2014 e dos temerosos pelas investigações.
Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de pior
na política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o menor pudor em
fazê-lo, eu
não correria o risco de ser condenada injustamente.
não correria o risco de ser condenada injustamente.
Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para
governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma pessoa que
é acusada de enriquecer às custas do Estado brasileiro e do povo que paga
impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante a sociedade e a história o
preço do seu descompromisso com a ética.
Todos sabem que não enriqueci no exercício de cargos públicos, que não
desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus familiares, e que
não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi com absoluta probidade nos
cargos públicos que ocupei ao longo da minha vida.
Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do
julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado gravíssimos
atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que alavancaram as ações
voltadas à minha destituição.
Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira.
Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira.
Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo que
marca o julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam contra mim
pretextos acusatórios infundados.
Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional.
Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado.
Senhoras e Senhores Senadores,
Senhoras e Senhores Senadores,
Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os
atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que
pratiquei?
A primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito
suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo, mostramos
que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais. Respeitamos a
previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e as autorizações
estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, aprovadas pelo
Congresso Nacional.
Todas essas previsões legais foram respeitadas em relação aos 3
decretos. Eles apenas ofereceram alternativas para alocação dos mesmos limites,
de empenho e financeiro, estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, que
não foram alterados. Por isso, não afetaram em nada a meta fiscal.
Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado.
Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado.
Não sei se por incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas
neste processo buscam atribuir a esses decretos nossos problemas fiscais.
Ignoram ou escondem que os resultados fiscais negativos são consequência da
desaceleração econômica e não a sua causa.
Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma
expressiva queda da receita ao longo do ano — foram R$ 180 bilhões a menos que
o previsto na Lei Orçamentária.
Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o maior
contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao Congresso
Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para reduzir a meta fiscal,
deveria ter imediatamente realizado um novo contingenciamento. Não o fiz porque
segui o procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de Contas da União
ou pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009.
Além disso, a responsabilidade com a população justifica também nossa
decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos nossos
acusadores cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para as despesas da
União. Isto representaria um corte radical em todas as dotações orçamentárias
dos órgãos federais. Ministérios seriam paralisados, universidades fechariam
suas portas, o Mais Médicos seria interrompido, a compra de medicamentos seria
prejudicada, as agências reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano
de 2015 teria, orçamentariamente, acabado em julho.
Volto a dizer: ao editar estes decretos de crédito suplementar, agi em
conformidade plena com a legislação vigente. Em nenhum desses atos, o Congresso
Nacional foi desrespeitado. Aliás, este foi o comportamento que adotei em meus
dois mandatos.
Somente depois que assinei estes decretos é que o Tribunal de Contas da
União mudou a posição que sempre teve a respeito da matéria. É importante que a
população brasileira seja esclarecida sobre este ponto: os decretos foram
editados em julho e agosto de 2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a
nova interpretação.
O TCU recomendou a aprovação das contas de todos os presidentes que
editaram decretos idênticos aos que editei. Nunca levantaram qualquer problema
técnico ou apresentaram a interpretação que passaram a ter depois que assinei
estes atos.
Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas de
diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no mesmo
procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade
Fiscal, em 2001?
Por ter assinado decretos que somados, não implicaram, como provado nos
autos, em nenhum centavo de gastos a mais para prejudicar a meta fiscal?
A segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é injusta e
frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das subvenções econômicas
devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução do programa de crédito rural
Plano Safra, equivale a uma “operação de crédito”, o que estaria vedado pela
Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como minha defesa e várias testemunhas já relataram, a execução do Plano
Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da Fazenda a
competência de sua normatização, inclusive em relação à atuação do Banco do
Brasil. A Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução
do Plano Safra.
Parece óbvio, além de juridicamente justo, que eu não seja acusada por
um ato inexistente.
A controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de uma
mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida em
dezembro de 2015.
Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da
definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido
antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias
recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião.
Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que
arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. Afirmou não caber falar em
ofensa à lei de responsabilidade fiscal porque eventuais atrasos de pagamento
em contratos de prestação de serviços entre a União e instituições financeiras
públicas não são operações de crédito.
Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem
tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público
Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime.
Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da
decisão final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a
autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de pagamento
para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a decisão definitiva do
TCU e com a autorização do Congresso, saldamos todos os débitos existentes.
Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a
injustiça também desta acusação.
Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não atentei, em nada, em
absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da Constituição que, como
Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei ato ilícito. Está provado
que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados estavam inteiramente
voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão trouxeram ao erário ou ao
patrimônio público.
Volto a afirmar, como o fez a minha defesa durante todo o tempo, que
este processo está marcado, do início ao fim, por um clamoroso desvio de poder.
É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas.
Tem-se afirmado que este processo de impeachment seria legítimo porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação.
É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas.
Tem-se afirmado que este processo de impeachment seria legítimo porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação.
Ouso dizer que em vários momentos este processo se desviou,
clamorosamente, daquilo que a Constituição e os juristas denominam de “devido
processo legal”.
Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória
de grande parte dos julgadores é divulgada e registrada pela grande imprensa,
antes do exercício final do direito de defesa.
Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a
condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim de
qualquer jeito.
Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas
não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A
forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na
essência.
Senhoras e senhores senadores,
Senhoras e senhores senadores,
Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque eu não renunciava,
para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida.
Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado
Democrático de Direito.
Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.
Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões
verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até
me magoaram. Mas foram sempre superados, em muito, pela solidariedade, pelo
apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiras e brasileiros pelo
País afora. Por meio de manifestações de rua, reuniões, seminários, livros,
shows, mobilizações na internet, nosso povo esbanjou criatividade e disposição
para a luta contra o golpe.
As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio fundamental
para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua
solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o
preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste combate
pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência. Bravas mulheres
brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como primeira mulher
Presidenta do Brasil.
Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de uma
demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o
futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e livre são as
melhores armas que temos para a preservação da democracia.
Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça.
Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade.
As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em
definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política.
Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem
assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada por um
tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas dolorosas da tortura, ficou
o registro, em uma foto, da minha presença diante de meus algozes, num momento
em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com
medo de serem reconhecidos e julgados pela história.
Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal, não há tortura, meus
julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à Presidência.
Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça erguida, olhando nos
olhos dos meus julgadores.
Apesar das diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o
receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não
tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela história.
Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por
dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do
próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa
poderia ter abreviado minha existência.
Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui
neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços.
Reitero: respeito os meus julgadores.
Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha destituição.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.
Neste momento, quero me dirigir aos senadores que, mesmo sendo de
oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos.
Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa
Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um
crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal.
Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros
presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas.
Condenar um inocente.
Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em
vez de solucionar, agravará a crise brasileira.
Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu
qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Votem
sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o que nós sentimos uns
pelos outros importa menos, neste momento, do que aquilo que todos sentimos
pelo país e pelo povo brasileiro.
Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia.
Muito obrigada.”
Veja o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=GYs_BgGu0X4
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