O dia
amanheceu lindo!
O Sol com
seus raios dourados e cálidos chegou doirando tudo, envolvendo a
tudo e a todos com essa energia especial que nos move com alegria e esperança para mais um dia de labor.
De repente
me vi pensando na Lourdes. Maria de Lourdes Rodrigues de Souza uma dessas
pessoas especiais ensolarada, dinâmica, forte e alegre, que tem o dom de
envolver a todos a sua volta.
Eu a conheci
lá por volta dos anos 80 e está classificada como uma das minhas mestras com
que a vi da me presenteou.
Foi ela uma
das minhas mais importantes colegas de
profissão. Foi ela que com seu jeito
sereno e responsável que aprendi e descobri estar na profissão certa, a
enfermagem. Lourdes não era diplomada por nenhuma faculdade, a não ser pela
universidade da vida. E como era capaz! Era dessas com quem se aprende a cada
dia, do jeito certo e jamais se esquece. Meu Deus como sou grata por ter
conhecido pessoas assim!
É me fácil
depois de quase quatro décadas, recordar
de seu jeitinho, seu caminhar com uma cuba rim ou uma bandeja de procedimentos
nas mãos, pelos corredores da maternidade da Santa Casa de Ribeirão Preto, indo
ou vindo atender a uma paciente, fosse da área particular ou do antigo INPS ou
da área dos não contribuintes que naquela época era chamada de ”indigentes”, as
quais eram tratadas por ela com o mesmo cuidado e carinho que as demais.
Lourdes era
contudo enérgica e muito profissional; eu apenas uma aprendiz iniciante, cuja experiência
versava pelos três quatro anos de
atendimento prático, após um rápido curso realizado sob os cuidados de uma irmãzinha
de caridade que trabalhava no hospital Álvaro Ribeiro em Campinas, no ano em
que ocorreu a epidemia de meningite, vitimando grande número de pessoas
principalmente crianças. Eu havia
entrado naquela casa hospitalar, exatamente nesta época, e minha função era
auxiliar nos banhos e dar alimentação aos pequenos pacientes. Porém eu queria ,
eu tinha muita sede de aprender, e não perdia nenhuma oportunidade. Tanto que
percebendo meu interesse, a irmã responsável pelo setor, me encaminhou ao curso
de Atendente de Enfermagem, ministrado
por elas mesmas, dentro da própria instituição. E como a epidemia lotava o hospital, e a mão de obra era insuficiente, acabei entrando na rotina
de enfermagem sob os cuidados da
enfermeira chefe responsável. Não me recordo hoje o nome de ninguém. Depois
disso, passei por outras instituições, sempre aprendendo tudo que me era possível,
e estudando por conta os livros da época. Mas isso é para outra história,
voltemos a Lourdes.
A empatia que havia entre mim e Lourdes abriu portas
para nos visitarmos em nossas casas, e pude lhe conhecer a família, formada por
dois filhos Roberto e Claudia (se não me engano) as vezes faço confusão com
nomes e números, coisas da idade. E também uma
linda neta, a Talita, que era o seu xodó.
Lourdes era
viúva e conduzia a vida com um misto de energia e serenidade
que me encantava. Tudo tinha seu tempo e lugar. As complicações naturais eram resolvidas sem
jamais perder o porte altaneiro e equilibrado. Nossa amizade nos permitiu
trocar confidências e pude partilhar da intimidade do seu lar.
Me sentia muito bem junta a ela e sua filha e
a netinha. Quanto ao filho, o vi poucas vezes , Carlos Roberto.
Em sua casa
me encantava um vaso de violetas que jamais vi igual; era plantado em um xaxim
grande, e cresceu tomando todo o espaço, e quando florescia era uma maravilha.
Assisti a sua luta para conseguir comprar sua casa, reforma-la e mobiliá-la
como sonhou. Em cada oportunidade eu ia
aprendendo com suas experiências. O que fazer e o que não fazer. Falávamos
muito sobre o trabalho, e ela me ensinava tudo quanto podia. Nesta época,
tínhamos entre nós os estagiários do curso de medicina da USP, e tivemos a
oportunidade de conviver com o então doutor Sócratis, meninão sempre com o sono
atrasado e ténis “chulezento”, a doutora Analba, dra. Sueli, dr. Odilon. E inúmeros
‘doutores’ em fase de formação, passaram por ali na residência de obstetrícia e
pediatria néo-natal. Muitas histórias! Algumas tristes, outras engraçadas, mas
felizmente muitas felizes, como o nascimento do primeiro filho do doutor
Marcelo, a primeira experiência com a circuncisão de um bebê, meninas que
chegavam com quadro de abdome agudo e pariam diante de mães e pais estupefáctos,
por não terem a menor ideia da gravidez da filha adolescente. Gêmeos surpresas,
muitos abortos provocados, o que deixava a irmã Ana Maria do avesso e que a
fazia claudicar pelos corredores amaldiçoando as infelizes mulheres, o que me
causava estranho sentimento, misto de revolta e pena. Ela chamava essas coitadas de “porcas”, e aquilo
soava em meus ouvidos como espinhos lançados ao vento. A quantidade de
parturientes que chegavam dando a luz, fato que me levou a fazer os primeiros
partos, inclusive alguns no banheiro ou no chão da enfermaria do pré -parto. E
isso acontecia, por razões como: Estar os estagiários ocupados com outras
pacientes, gestantes que chegavam coroando, etc. perdi a conta de quantas crianças peguei nessa situação. Tinha
uma época do mês que o número de nascimentos duplicavam, e dizíamos que era
efeito da mudança de lua. Verdade ou mito, o fato era a realidade que vivíamos
todos os meses. Os bebês resolviam nascer todos ao mesmo tempo e num só
hospital.
Quantas
histórias!
Eu gostava
muito de fazer plantões com a Lourdes, confiava nela, me sentia segura e
aprendi muito.
Hoje, não
sei se ela ainda está entre nós. Nesta época, beira o tempo de aposentar, para
o que fazia muitos planos; tinha os cabelos encanecidos pelo tempo e pelas
árduas lutas que a vida lhe reservara. Havia ficado viúva cedo, e segundo
relatava, não tivera um casamento feliz; a não ser pelos filhos que amava muito
e criara com pulso forte e muita disciplina. Isso já faz quase 4 décadas,
portanto imagino que ela tivesse nessa época uns cinquenta anos ou mais , ou
menos, então teria hoje uns 90 anos, se tiver por aqui. E ‘pelo andar do bonde’, dificilmente nos
veríamos novamente. Mas ela é uma dessas pessoa que imprimiu em minha vida de
forma tão formidável, que jamais a esqueci, e de quem sempre me recordo, com
esse misto de ternura e gratidão.
Onde quer
que você esteja minha amiga Lourdes(ela fazia questão da pronúncia e grafia corretas do “OUR”), onde quer que você
se encontre hoje, envio-lhe o meu carinho mesclado de saudades e gratidão! A
você, a nossa amizade, pelo seu carinho e generosidade para comigo, dedico essa
manhã de Sol!
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