sábado, 16 de novembro de 2013

(7°) - A Relatividade do Tempo



                                        
                                      
Pacaembú, 16 de setembro de 2008                            
                                   Mulatinha,


            Espero que esteja tudo bem com voce e com todo.
 Dia 4  de agosto voce me enviou uma carta-reposta de uma que mandei-lhe há 3 
meses atrás; 
Adorei sua carta: Bonita, bem escrita, leve, bem humorada e objetiva. 
Parecia que voce estava em estado de êxtase quando escreveu. 
Voce estava iluminada e isso se refletiu na carta. 
Me senti tão bem que li e reli várias vezes. 
Obrigado por me proporcionar êsses momentos bons. 
Aqui é tão raro isso; momentos bons.
    Troquei de caneta (emprestei) pois a que é minha está uma bósta (perdoe a expressão).
      Se o tempo para você passa céleremente  , cá para nós, ele se arrasta. 
Talvez eu saia para o natal, talvez não.
 Se sair, maravilha, se não sair é porque vou-me embora de R.A (Regime Aberto) 
que trocado em miúdos, é uma prisão domiciliar (não preciso voltar para a cadeia). 
Trabalha-se de dia e ás 22 horas tem de estar em casa.
Se quebrar as regras volta para o fechado (e adeus R.A. ou semi aberto). 
Quero minha vida de volta!
 Sabe, tire alguma coisa (poesia, anotação que voce achar interessante, músicas, etc)
 do “Caderno”*(1) que tem a história do elefante e a formiguinha e me mande. 
Vai ser bom relembrar o passado. 
Obrigado desde já.
 Ah! Voce ficou com os livros de poesias do Leminski?
 Lembra-se de vários livros da sua autoria que ele me presenteou quando estive 
na casa dele?
 Mande-me algumas poesias dele. 
Eu gosto do estilo do Paulo.
  Se voce tiver oportunidade vê se assiste um filme alemão por nome “Corra lola, Corra”.
É um filme meio maluco, mas muito bom, desde que você se despoje daquela ideia que a gente tem de filmes norte-americanos, todo certinho, todo bonitinho onde tudo dá certo no fim. 
Assista-o   com espírito aberto para o NOVO, para ideias inteligentes e loucas. 
Você, sensível e inteligente como é, irá adora-lo, tenho certeza.
   Mulata, leia, se puder, “Os Miseráveis”  de Victor Hugo. 
Você irá se encantar com a hisrória. Prepare-se, respire fundo, porque é um “catatau“ de 2 volumes, com 3 a 4 dedos des grossura cada um. Um tem 720 páginas (me parece) e o outro 600 e poucas.
O termo é: Você  ficará “encantada” com a história. Não é a toa que é um clássico.

        Quanto a sua técnica de se auto-isolar- de barulhos, aqui a gente faz isso na “marra” porque são muitos na cela e cada 2 conversa uma coisa (somos em 9), com televisão ligada e tudo, imagine só a algaravia. Então se você não desenvolver uma técnica para “captar” o som que você quer, voce se perde  em meio a tantas vozes, tantos assuntos e mais televisão.
Então eu lhe digo que entendo o que você quer dizer. 
É verdade: Fica no piloto automático, cada um com o seu som. 
É isso.
   Gostaria, um dia, se possível, de acompanhá-la ao Centro onde você trabalha e ministra aulas, é isso?
  Sabe, voce falou que seu filho estuda Teoria da Música, né? 
Não sei qual o livro lhe serve de orientação, mas dê-lhe de presente o livro “Teoria da Música” do autor Bohumil Med. 
É o que usávamos no Conservatório Musical em Crtba.
É completo. 
É ótimo. 
Se não for esse que ele usa, pode ter certeza que ele vai adorar. 
Será, para um músico, um excelente presente.
   Fiquei sabendo que a “Tininha” parece que está em vias de separar-se do marido, né? 
Eles nunca se acertaram, Mulatinha. 
Ele é meio neurótico e ela é “gata braba”. 
Não dá certo nunca. 
A mãe dela é daquelas que acha que casamento é união indissolúvel, mesmo que a 
vida de ambos tenha virado um inferno. 
Coisas de Renovação Carismática. 
Meu Deus, será que é isso que Deus quer? 
Que seus filhos sofram em nome de regra criadas pela “Santa Madre igreja”?
Entendeu porque é que nunca gostei de religião? 
Por causa da hipocriia da igreja Católica. 
Prega um amor ao próximo e matou mais que a peste bubônica. 
Prega pureza virginal (como se um animal como o ser humano fosse capaz de 
milagres) e no entanto vemos exemplos de sacanagen de quem deveria zelar por isso
 (padres etc). 
Quem inventou essa de que um relacionamento tem que arrebentar nas costuras 
mas tem que continuar (aos trancos e barrancos) fazendo a infelicidade de casais, 
filhos, etc.;
 Foram os homens, sabe-se lá com que escusos interesses.
     Ah! Chega de falar nisso!
Por favor, mande-me textos e poesias que voce achar bonitos. 
Eu agradeço.
Fico por aqui, porque estão me enchendo o saco para apagar a luz. 
É fóda morar com quem não se quer morar.
Desculpe-me os palavrões, mas você sabe que eu sou boca suja mesmo, debochado, 
cafageste, depravado, amoroso, atencioso, xarope, carinhoso, amigo, louco e etc., né?
Então me perdoe, mulatíssima.
 Sinto sua falta, nos papos, no silencio atencioso, na solidariedade, 
na compreensão, mesmo quando eu fazia “cagadas”, mesmo quando o mnundo 
inteiro estava contra mim. 
Isso é amiga. 
Obrigado por tudo.
                       Seu amigo,
                                                 
   


                                                   


                                    

* (1) “O Caderno” Nosso ponto de encontro quando estáva difícil nos encontrar, e onde deixávamos escritas para o outro ler. (recados, novidades, musicas, poesias etc.A primeira coisa que escrevemos nele foi a letra da música do disco LP Aquarela, e a letra da música “Aquarela” , ficamos apaixonados pelo LP, e assistimos a peça no Teatro Guaía em Crtba. Morávamos vizinhos do teatro naquele tempo.)  

  *(Aquarela

Toquinho

Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo...
Corro o lápis em torno
Da mão e me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos
Tenho um guarda-chuva...
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu...
Vai voando
Contornando a imensa
Curva Norte e Sul
Vou com ela
Viajando Havaí
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Brando navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul...
Entre as nuvens
Vem surgindo um lindo
Avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar...
Basta imaginar e ele está
Partindo, sereno e lindo
Se a gente quiser
Ele vai pousar...
Numa folha qualquer
Eu desenho um navio
De partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida...
De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo...
Um menino caminha
E caminhando chega no muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente
O futuro está...
E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda a nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar...
Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá...
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
(Que descolorirá!)
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
(Que descolorirá!)
Giro um simples compasso
Num círculo eu faço
O mundo
(Que descolorirá!)


     (Porque a História de um homem, não pode terminar num túmulo frio e escuro)

                                                            

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